Os Commedia a la Carte estão no Teatro Villaret, em Lisboa, a fazer um espetáculo de duas horas quase todo improvisado
Sabem qual é o som de três mil pessoas a dar uma gargalhada ao mesmo tempo? Os Commedia a la Carte sabem. Em fevereiro deste ano, para assinalar os 15 anos de carreira, decidiram “cometer a loucura” de apresentar o seu espetáculo nos coliseus de Lisboa e do Porto. Os bilhetes esgotaram-se em semanas, antes sequer de os cartazes terem sido colocados nas ruas. De tal forma que os três humoristas – César Mourão, Ricardo Peres e Carlos M. Cunha – decidiram não fazer cartazes e ofereceram o espaço publicitário, que já estava pago, a um projeto de solidariedade. “Não gostamos muito de falar disto, queremos é que as pessoas venham e se divirtam”, diz César Mourão que, por causa da televisão é o rosto mais conhecido dos três.
Tudo começou em 1999 no Chapitô, a escola de circo em Lisboa, onde César Mourão, Ricardo Peres e Carlos M. Cunha se encontraram. “Houve logo ali uma sintonia, gostávamos do trabalho uns dos outros”, lembram. A esta história há ainda que acrescentar o belga Bruno Decorte, que na altura explorava o restaurante na Costa do Castelo, e que os desafiou a fazerem qualquer coisa diferente para aquele espaço: “Ele até construiu um palco pequenino no restaurante, que ainda lá está, e investiu em microfones e aparelhagens”, lembra César Mourão. “O Bruno falou-nos de uns campeonatos de improvisação que havia na Bélgica e nós achámos piada ao conceito. E o Ricardo tinha vindo entusiasmado de Nova Iorque onde tinha feito uns workshops de improvisação. Decidimos arriscar.”
Arriscaram. Disseram aos amigos e começaram a apresentar-se ali todas as segundas-feiras, que era o dia de folga do restaurante. Depois, os amigos disseram aos amigos e, quase sem saber como, as pessoas começaram a aparecer, a rir e a voltar, enchendo o pequeno espaço. “Aqui lo tinha umas escadas em caracol e lembro-me de que houve uma noite em que estava tanta gente que havia pessoas a entupir a escada. E nós queríamos subir para ir para o palco e não conseguíamos”, lembra Ricardo. Como ninguém os conhecia, eles bem pediam licença para subir mas não os deixavam passar. Havia pessoas sentadas em cima das mesas, no palco, a espreitar pelos intervalos dos degraus. “E isto sem publicidade. Sem Facebook, que naquela altura não havia”, diz César. “O máximo que havia era irmos à janela e gritar para termos público.” E não resiste a fazer a piada: “Nós éramos como o herpes, era de boca a boca.”
Os três humoristas perceberam imediatamente o potencial do espetáculo. De tal forma que, desde então, nunca mais deixaram de fazer a Commedia a la Carte – param de vez em quando, mudam o espetáculo, mas o essencial mantém-se. “Isto está mais apurado. Tem mais 15 anos em cima. São 15 anos de experiência. Já sabemos domar melhor o público, temos mais recursos, mais capacidades. Mas o essencial mantém-se”, confirma Car los M. Cunha. O essencial são três atores que fazem humor a partir das dicas do público. Por exemplo, no espetáculo que está atualmente em cena, intitulado Zapping, o tema é a televisão e eles vão fazer vários programas de televisão – telejornais, filmes, talk shows, etc. Quando o pivô tem de dizer as notícias pede ao público que vá dizendo letras e é com essas letras que vai compondo os sketches. Com a letra A: “Foi encontrado um animal na beira da estrada.” Com a letra M: “Foi encontrada uma menina sozinha em casa.” Se forem fazer um filme, os comediantes pedem aos espectadores que lhes digam quem são as personagens e qual será o género do filme. E assim por diante. Ao princípio, as pessoas estranhavam um bocado.
Carlos M. Cunha, Ricardo Peres e César Mourão começaram a Commedia a la Carte há 15 anos do. Ficavam tímidas. Não diziam nada. Hoje já estão mais disponíveis e acedem a ir ao palco com confiança. “Nunca ridicularizamos ninguém”, garantem. Para cada espetáculo definem um tema e discutem o alinhamento, “A partir daí não ensaiamos mais nada porque não há mais nada para ensaiar”, afirma César. “No dia da estreia, encontramo-nos meia hora antes para ver se está tudo bem e vamos jantar”, conta Ricardo. Bom, não será exatamente assim, mas também não será muito diferente disto. “Não podemos ensaiar muito porque o improviso ensaiado nunca funciona”, explica Ricardo. As decisões têm de ser tomadas em segundos, por isso é preciso estar sempre alerta. Estar disponível, explica César. Essa é a regra de ouro. Os princípios básicos da comédia de improviso são: antes de mais, ouvir com muita atenção o que os outros estão a dizer e, depois, aceitar sempre as ideias dos outros e acrescentar sempre qualquer coisa. “A técnica é esta. Nós sabemos as regras mas, como já temos muita experiência, estamos sempre a alterar as regras para nos surpreendermos uns aos outros.” Umas vezes funciona, outras não. “O único limite é o bom senso. O nosso é um humor de situação, não fazemos um humor político. Mas fazermos humor sobre tudo, sobre o norte e o sul, a religião, o que quisermos.”
Claro que, neste momento, os três já têm a enorme vantagem de se conhecerem bem. Como diz César: “Nós somos maridos e mulheres uns dos outros. Somos como os casais que já estão juntos há muito tempo e acabam as frases uns dos outros. Sabemos o que o outro está a pensar. Mas somos um casal feliz porque ainda nos divertimos com isto.” E enquanto assim for não há motivo para divórcio.